A história do “Binário 21” na Estação Central de Milão
Viagem na Memória |
Existem viagens na vida que podem levar a um destino desumano e cruel. Muitos conhecem a história das vítimas do Holocausto pelos livros, fotos, mostras, filmes e nas aulas de história. Poucos tiveram ou têm a oportunidade de visitar os locais onde ocorreu o maior genocídio da humanidade.
Na Itália, embaixo da Estação Central tem um desses espaços, que ficou escondido por muitos anos, mesmo suas vítimas e famílias permaneceram em silêncio por 50 anos. Finalmente venceu a necessidade de testemunhar, de transformar o espaço por onde passaram centenas de vítimas em um Memorial da Shoah.
O Memorial da Shoah, é um uma área de 7.060 m² , em Milão, localizado exatamente no local onde esses fatos terríveis aconteceram. Ele é dedicado à memória das vítimas do Holocausto na Itália. Está situada embaixo da Estação Central, no plano térreo, em frente ao antigo prédio postal, e foi idealizada com o objetivo de marcar um local histórico, testemunha de uma catástrofe, mas também para se tornar um local educativo, um espaço de diálogo entre religiões, etnias e diferentes culturas.
Fomos conhecer o Memorial com um grupo da cidade de Usmate, que organiza atividades culturais. Enquanto aguardávamos a chegada da nossa guia turística vimos outros grupos organizados, de todas as idades, escolas, pais que levavam seus filhos para conhecer a História.
Diante da palavra INDIFERENZA (indiferença) |
Nossa guia era particularmente emocionada, pois sua família também foi vítima das atrocidades que viveram os judeus. Agora como professora aposentada se dedica a fazer conhecer os fatos dessa tragédia, com a esperança que cada visitante possa levar adiante um testemunho e o desejo que nunca mais se repita.
Ela nos acompanhou até uma grande placa no início da Memorial, onde está escrita a palavra INDIFERENÇA, que Liliana Segre, última sobrevivente italiana, escolheu para representar como a maior causa de todos os males. Ela viveu em um campo de extermínio, onde seu pai e grande parte de sua família foram mortos.
Liliana Segre e seu pai (vítima do Holocausto) |
No caminho estão colocados painéis, que descrevem cada fase dessa triste história e um dos mais chocantes mostra uma imagem com um negro, um judeu e um homem branco, considerado modelo da raça, que fundamente a famigerada “Lei da Raça Pura”.
Perfil da raça pura (segundo os fascistas) ao lado do perfil judeu e do negro |
Logo adiante os nomes das vítimas se alternam em tamanho, dando destaque em cor laranja os pouquíssimos sobreviventes.
Muitas pessoas eram levadas para os vagões pensando que iriam trabalhar na Alemanha, aquelas que sobreviveram às péssimas condições da viagem e ainda demonstravam força física eram escravizadas, as mais frágeis eram mortas pelas doenças, em fornos crematórios, ou fuziladas. Eram em sua maioria judeus, denunciados em troca de algum dinheiro.
Seguimos até o local onde estão os velhos vagões do “Binário 21”, estacionados no trilho que originalmente era utilizado para carga e descarga postal, animais e mercadorias. Mas nesses vagões de madeira, com pequenas aberturas, fechados somente pela parte externa, foram transportados milhares de judeus, alguns “partigianos” (homens e mulheres que lutavam contra o fascismo), políticos de oposição e pessoas que o regime fascista considerava distante do que chamavam “raça pura".
Em cada um dos pequeno vagões eram colocadas 80 pessoas e seus pertences, junto com animais, sem as mínimas condições de higiene, para realizar uma viagem que durava sete dias, rumo aos campos de Auschwitz–Birkenau, Mauthausen, Bergen-Belsen, Ravensbrück, Flossenbürg, Fossoli e Bolzano.
Em cada um dos pequeno vagões eram colocadas 80 pessoas e seus pertences, junto com animais, sem as mínimas condições de higiene, para realizar uma viagem que durava sete dias, rumo aos campos de Auschwitz–Birkenau, Mauthausen, Bergen-Belsen, Ravensbrück, Flossenbürg, Fossoli e Bolzano.
Vagões originais utilizados para transportar os juseus para os campos de extermínio |
Nosso grupo era formado por 60 pessoas, de todas as idades, um grupo de escoteiros, pais e filhos. Emocionados, entramos em um dos vagões, quase não conseguíamos entrar, mesmo muito próximos uns dos outros, imaginamos como conseguiram entrar 80 pessoas, objetos, sem banheiro e sem possibilidade de sair do trem durante sete dias. Muitos começaram adoecer logo na primeira fase da viagem.
Visita nos vagões utilizados para levar os prisioneiros para o extermínio |
Logo adiante uma instalação simbolizando um túnel, com duas lentes grandes, mostra o local onde esses vagões eram colocados em uma plataforma que se elevava até o plano de partida dos trens. Diante de nós passavam alguns trechos filmados da atividade do “Binário 21”.
Os vagões não foram criados para transportar pessoas |
Mãe contando a história para seu filho |
Mais adiante nos deparamos com um espaço circular de metal, chamado de “espaço de reflexão”, entramos e nos sentamos. No centro uma pequena luz, para representar que na fase mais escura da história da humanidade sempre tem uma esperança. É uma cópia de uma câmara à gás, onde foram mortos milhares de judeus, mulheres, homens, crianças inocentes. Tudo em nome de uma loucura criada e aceita por tantos governos no mundo como verdade: a superioridade de uma raça.
Instalação: espaço para reflexão |
Interior do Espaço para Reflexão (cópia de uma das câmaras à gás) |
Ao encerrar a atividade com nossa guia fomos visitar os demais espaços: cabines onde são apresentados filmes e documentários, exposições de arte, biblioteca e venda de livros para quem quiser aprofundar o tema.
Quando saímos do Memorial vimos o crescente aumento de visitantes, silenciosos e respeitosos, fortalecendo a esperança de que cada pessoa que sai do Memorial leva consigo o desejo que atrocidades como essas nunca mais se repitam, porque pertencemos todos a uma única raça. A humana!
Liliana Segre
Liliana Segre levou sua neta para conhecer o Memorial |
É uma das últimas testemunhas vivas do Holocausto e decidiu testemunhar o que viveu quando se tornou avó, aos sessenta anos, pensando no futuro dos seus netos e das novas gerações. Hoje aos 90 anos, completa 30 anos em que visita escolas e realiza palestras. A Presidência da República decidiu conceder-lhe a honra, concedida a poucas pessoas de reconhecido valor, de se tornar Senadora enquanto viver.
Atualmente é protegida por seguranças por ser continuamente ameaçada nas redes social, vítima de “odiadores”, que ultimamente parecem se sentir autorizados a demonstrar sua desumanidade em discursos de ódio. Tudo isso demonstra que há muito para ser feito, pois milhares de pessoas que fogem da fome e das guerras estão morrendo na travessia dos mares; muros continuam a serem erguidos e o número das vítimas de conflitos mundiais não param de crescer.
Porém, muitas são também as pessoas que dedicam suas vidas a favor da igualdade e da justiça, em atividades e espaços destinados a construir um novo mundo. Por mais doloroso que seja é preciso conhecer a História, para não deixar que o tempo e a INDIFERENÇA levem a humanidade a repetir os mesmos erros. Para isso foi criado o DIA INTERCIONAL DA MEMÓRIA, no dia 27 de janeiro, como um momento de reflexão, com atividades organizadas em todo o mundo, levando adiante os registros dessas páginas cruéis da História, para que não se repitam!
Triste historia. Obrigada por trazerem fatos mesmo que negativos,pois fazem parte história da humanidade.
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